Audiência pública sobre a digitalização do rádio na ALESC Santa Catarina
RELATÓRIO DA AUDIÊNCIA PÚBLICA SOBRE RÁDIO DIGITAL EM FLORIANÓPOLIS
29 de abril de 2013
O padrão
de rádio digital a ser implantado no Brasil foi tema de uma audiência pública no
dia 29 de abril passado na Assembléia Legislativa
de Santa Catarina. A iniciativa do ato foi das rádios comunitárias de Santa
Catarina (protagonistas do evento), Rio Grande do Sul e Paraná, todas ligadas ao
Movimento Nacional de Rádios Comunitárias (MNRC). Além dos estados do Sul,
também estiveram presentes entidades representativas de rádios comunitárias de
São Paulo e do Rio de Janeiro, igualmente ligadas ao MNRC. Em razão da
relevância do tema, ainda participaram representantes de universidades e de
entidades de rádios comerciais. A condução da sessão foi da Comissão de
Legislação Participativa através da deputada Angela Albino (PCdoB/SC).
No início da audiência a palavra foi dada aos diversos atores envolvidos
no processo de digitalização de rádio no Brasil presentes no ato: o Movimento
Nacional de Rádios Comunitárias, o Ministério das Comunicações (através do
representante do Ministério no Conselho Consultivo do Rádio Digital, Octavio
Pieranti), a Anatel, representantes das rádios comerciais, e os dois sistemas interessados em vender os
produtos que envolvem a implantação da nova tecnologia – o norte-americano
(Iboc ou HD Radio) e o europeu (DRM).
A título de esclarecimento, existe um Conselho Consultivo do Rádio
Digital, criado no ano passado, que reúne representantes de vários setores como
governo, radiodifusores comunitários e comerciais, pesquisadores e fabricantes.
Esse conselho tem se reunido com certa regularidade para estudar o processo de digitalização
do rádio. Claro que existem interesses divergentes no conselho, como por
exemplo, a extrema pressa das rádios comerciais em implantar o sistema embora
se observe nítido prejuízo para as rádios comunitárias na cobertura do sinal
digital conforme mostraram os testes feitos até agora.
Após a explanação dos representantes das entidades e dos sistemas HD e
DRM, a palavra foi franqueada aos presentes para esclarecimentos e
manifestações sobre o processo de digitalização em curso no Brasil.
O professor da disciplina de Radiojornalismo do curso de
Jornalismo da UFSC, Eduardo Meditsch, com doutorado em rádio pela UNL/ Portugal e pós-doutorado
em rádio na University of Texas at Austin dos Estados Unidos, usou a palavra
relatando a decadência ocorrida em relação à digitalização na Europa e Estados
Unidos, contestando afirmações feitas pelos dois padrões em suas falas sobre o
avanço dos sistemas nos dois continentes. Segundo o professor, em Portugal
ninguém mais usa o sistema digital e nos Estados Unidos, só no ano passado mais
de 50 rádios voltaram a operar no sistema analógico. “Morei um ano nos Estados Unidos e presenciei isso. As
pessoas não conhecem os receptores digitais e as rádios estão voltando ao
padrão analógico. Para mim, o sistema digital já nasceu obsoleto”, falou o
professor. Ou
seja, mais uma vez estariam querendo vender para o Brasil uma tecnologia em
decadência nos países desenvolvidos como ocorreu com as usinas nucleares de
Angra dos Reis no passado?
Foi questionado também o fato de na apresentação das empresas não ter
sido esclarecido se serão contempladas as OMS a medida que essas são as únicas
que cobrem a totalidade do território nacional, e a única que pode mobilizar o
território nacional ao mesmo tempo em caso de catástrofe ou segurança nacional.
Outro questionamento feito foi em relação ao acesso das rádios
comunitárias aos equipamentos para operar o sistema digital, pois será
necessário trocar transmissores, mesas, etc. e tudo com custo alto,
segundo palavras de representante de entidade do setor comercial presente na
audiência. Sem um programa de financiamento acessível para as comunitárias, a
digitalização decretará o fechamento das rádios comunitárias pela
impossibilidade financeira de arcar com os custos da mudança.
Igualmente foi perguntado sobre o custo que os receptores digitais
teriam para a população. Pois com
certeza eles serão bem mais caros que um receptor analógico comprado hoje até
por R$ 10,00.
Uma questão técnica indagada fez menção ao espaço utilizado para
transmissões em sistema digital. O novo sistema vai ocupar o dobro do utilizado
hoje. Ou seja, não há lugar para todas as rádios hoje existentes (FM, AM, OM,
OC...). Ainda mais que o governo vai propor, em novo projeto de lei, a migração
das AMs para FM. Quem vai ficar de fora? Quem não conseguir comprar os
equipamentos?
Também foi colocada a necessidade de se fazer testes, com os dois
padrões interessados, em muitas rádios comunitárias. Pois o que foi feito, em
Brasília, revelou ser impossível aceitar a digitalização para as comunitárias. Mesmo num ambiente plano como o do Planalto
Central do Distrito Federal o sinal mal chega a um ou dois quilômetros.
Imagine-se como seria numa região de morros ou com obstáculos de edifícios...
Não vai pegar nada com certeza.
Outra questão levantada é que o teste feito em Brasília teve como
potência de transmissão 0,25 watts. Isto é inaceitável. Pois a lei garante para
as rádios comunitárias uma potência de 25 watts. Ou seja, as rádios comunitárias não podem aceitar testes de qualquer padrão que
utilize um transmissor digital abaixo de 25 watts. Ou estaria o Ministério
das Comunicações com a digitalização decretando o fim das rádios comunitárias
que conseguirem comprar os equipamentos (!) pela incapacidade de serem
sintonizadas além de poucas quadras donde estão instaladas?
A audiência se encerrou com respostas pouco convincentes por parte dos
indagados sobre os questionamentos propostos. E mais uma vez o Movimento
Nacional de Rádios Comunitárias (MNRC) deixou claro que antes de qualquer medida na linha da digitalização é necessário que se
garanta a aprovação de um novo marco regulatório para as comunicações que
dê conta das reivindicações públicas e comunitárias, como já foi feito em
outros países da América Latina.
Além dos questionamentos específicos sobre a digitalização, a audiência
também se constituiu em grande ato político em defesa da democratização da comunicação. Pois da forma como está se
processando a digitalização, ela se constitui num meio excludente de
participação popular na comunicação, quer pelos altos custos dos equipamentos,
quer pelas limitações de irradiação do sinal. E conclamou-se a todos que se
engajem na conquista de 1 milhão e 300 mil assinaturas necessárias para se
entrar com Projeto de Lei de Iniciativa Popular
para regulamentar os artigos 220 a 224, do Cap. V da
Constituição Federal, para regulamentar as comunicações no Brasil.
Diante de tudo isso e frente à inércia do Ministério das Comunicações em
tomar medidas necessárias para consolidar e dar sustentabilidade às rádios
comunitárias, também na audiência, foi pedido pelos presentes, a saída do ministro das comunicações do
cargo, com as palavras de ordem : “Fora Paulo Bernardo, Paulo Bernardo
fora. Fora Paulo Bernardo que já chegou a tua hora”.
Florianópolis (SC), 29 de abril de 2013
Luis Dzulinski
Movimento Nacional de Rádios Comunitárias (MNRC)
Coordenador das Microrregionais da Abraço-PR